Felizmente há jantar!

Comemoram-se 50 anos do 25 de Abril e não posso ficar indiferente ao facto desta edição do Notícias de Coura sair para a rua a poucos dias desta data que marcou uma profunda mudança no nosso país. O tema desta crónica surgiu de forma muita natural, inspirada por um escritor, Luís de Sttau Monteiro, um defensor da liberdade de expressão que além de usar as letras para contestar um regime opressivo ainda deixou um legado enquanto gastrónomo. Sttau Monteiro andava votado ao esquecimento, pelo menos eu tive esta perceção. Nem a faceta do dramaturgo, romancista nem a de gastrónomo estavam presentes na memória recente. Deu-se a feliz coincidência de duas escritoras, por quem tenho muita admiração, terem publicado entre  2022 e 2023 livros que resgatam do esquecimento este escritor, homem que não só gostava de cozinhar, partilhar a boa mesa e muitas receitas, mas que escrevia e investigava sobre alimentação. Era um gastrónomo na verdadeira aceção da palavra. Ora estes livros, recentemente trazidos a publico, avivam memórias desse legado e mergulham nas transformações dos hábitos alimentares e da sociedade portuguesa dos anos 60 e 70 e merecem ser divulgados. 

Fátima Iken, jornalista e investigadora da história do património alimentar português, no seu livro “A escrita e o prato” oferece-nos um olhar sobre  as crónicas publicadas por Sttau Monteiro (sob pseudónimo Manuel Pedroso) no suplemento “A Mosca” do Diário de Lisboa, analisando as particularidades alimentares de um período de transição histórica num trabalho verdadeiramente enriquecedor sobre o período de 1969-1975.

Ana Marques Pereira, investigadora na área da história da alimentação com vasta obra publicada, em “Luís de Sttau Monteiro. Gastrónomo” guia-nos através do percurso da vida e obra do escritor,  dramaturgo e do critico gastronómico, dando a conhecer a sua carreira a partir da década de 1960. São inúmeros os pseudónimos (14 apurou a autora!) a que recorreu nas publicações que foi fazendo na revista Almanaque, no suplemento A Mosca, no semanário O Jornal ou no Se7e. Somos ainda presenteados com uma análise de cadernos e anotações escritos por Sttau Monteiro, que fazem parte da coleção particular de Ana Marques Pereira, que atestam o interesse pela história da alimentação, pela literatura culinária internacional, e até pela construção de um dicionário gastronómico. Para quem conhece os livros da autora não deixa de surpreender o tom intimista e autobiográfico de algumas passagens, o que se explica pela  admiração e pela relação com a obra de um autor que foi marcante no percurso de vida e com quem  Ana Marques Pereira confessa ter aprendido muito sobre arte culinária. O testemunho que registou sobre a aquisição dos livros de Sttau Monteiro numa livraria da Covilhã é particularmente delicioso e atesta limitações à liberdade de expressão hoje incompreensíveis. 

Mergulhada nas palavras saborosas deste trio de escritores esqueci-me do jantar.O que vou cozinhar hoje para mim os senhores que me acompanharam até aqui ? Rapidamente decido. Opto por uma receita publicada no Se7e, na rubrica “O Petisco”, assinada por Paulo Santana. O fino humor de Sttau Monteiro chega ao ponto de levar um pseudónimo a divulgar a receita atribuída a outro! Mas já me salvou, hoje saem umas Costeletas à Manuel Pedrosa! Deixo-vos entretidos na leitura que eu vou já para cozinha e depressa. É que hoje felizmente há jantar  porque já se escreveu a história.

Costeletas à Manuel Pedrosa

 adaptada da receita incluída no livro “Luís de Sttau Monteiro. Gastrónomo” , p. 296

Serve 4 bons garfos ( pelas minhas contas)

  • 8 costeletas
  • 4 dentes de alho
  • Sal q.b.
  • Pimenta preta em abundância
  • 2,5dl de vinho branco
  • 2,5 dl de sumo de alperce (originalmente referem-se latas de sumo de alperce, os mais velhos devem lembrar-se
  • Temperar cada costeleta com a massa de alhos esmagados, sal e pimenta. Dispõem-se as num prato de ir ao forno previamente untado. Enquanto se faz isto deixa-se o forno a aquecer a temperatura média (150º/160ºC). À parte mistura-se o sumo de alperce e o vinho branco. Verte-se sobre as costeletas e leva-se ao forno onde devem cozer lentamente. Devem regar-se frequentemente com o líquido e cuidar que não sequem demasiado. Da redução da mistura de vinho e sumo obtém-se um molho espesso e gelatinoso. Na receita original sugere-se um acompanhamento de puré de batata-doce ou castanhas. Se calhar aldrabei um bocadinho a receita, acho a original um pouco vaga. Mas não é nada que o próprio Sttau Monteiro não confessasse fazer no que toca a partilhar receitas. 

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