Para lá do Marão…

A Semana Santa é vivida pelos cristão através de inúmeros rituais que marcam esta época. Em alguns deles a alusão a alimentos e à privação deles, realça a importância da alimentação nas múltiplas dimensões da vida humana. Ontem, como hoje, a mesa é o palco de importantes decisões. Não o foi também a Última Ceia,  marcante  momento em que Cristo partilhou sua última refeição com os discípulo sabendo que  iria em breve cumprir-se o seu destino?

A cena imortalizada por Leonardo da Vinci, de uma mesa rectangular, com Cristo a presidir a um jantar formal com os apóstolos está presente não só na  memória mas fisicamente em muitos lares portugueses. Historicamente, a representação não será muito fiel aos costumes judeus da época, mas é a poderosa imagem que temos da última refeição de Cristo. Há quem se tenha debruçado sobre a ementa desta ceia, a partir de textos Bíblicos, achados arqueológicos e do conhecimento sobre os costumes da época naquela região, concluindo que a refeição não se resumiria aos simbólicos Pão e Vinho. Vão mais longe outros, recriando a experiência da Última Ceia, a partir de ingredientes da narrativa bíblica e também das representações feitas na arte oferecendo uma  experiência histórica e  gastronómica.

O que não consta é que houvesse um único folar na mesa de Cristo, mas é fundamental, ainda hoje, nas mesas portuguesas que celebram a Páscoa. A palavra folar tem dois significados na língua portuguesa, um prende-se com o alimento típico desta época e outro ligado à prenda que os padrinhos dão ao afilhados, que seguindo a tradição, lhes devem entregar o raminho benzido durante as celebrações do Domingo de Ramos. A prenda seria precisamente um folar ( doce ou salgado) mas com o passar do tempo o dinheiro usurpou o lugar da iguaria.

Os folares são salgados ou doces, conforme a região do país. Mais a Sul querem-se doces, perfumados com ervas e coroados com ovos cozidos e a Norte são salgados, bem recheados de tudo o que o fumeiro pode oferecer, premiando-se assim a penitência que se fez no longo caminho para a Páscoa. O folar está associado a uma lenda, que o relaciona espírito de Paz e Reconciliação.

Em Trás-os-Montes, a semana que se aproxima é tempo de preparar os folares, que são obra laboriosa e demorada de se fazer. E cá em casa este ano também eu arregacei as mangas e fiz o meu primeiro folar. Um belo folar, ecoa um som maravilhoso quando lhe bato com os nós dos dedos na capa crocante, uma massa duas vezes levedada e recheado com carnes e enchidos transmontanos. Presto assim homenagem, à herança das tradições da rica região,  a que orgulhosamente pertenço pelo casamento. Segui a receita que a mãe do meu marido partilhou comigo e que  saboreei tantas vezes! É uma cozinheira de mão cheia mas pode ficar descansada porque passou bem o testemunho!

Pode questionar-se o lugar de um folar salgado numa história açucarada? Poder, pode…mas nem só o açúcar  adoça a alma. Nesta viagem, são as memórias e o sabor da tradição que me guiam!

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Folar de Trás-os -Montes

Ingredientes

30 g de fermento padeiro

0,5 dl de água tépida.

800g de farinha ( ou um pouco mais, depende do tamanho dos ovos)

Uma colher de chá de sal

1 dl. de azeite

120 g de  manteiga

6 ovos e uma gema para pincelar

Carnes variadas e enchidos a gosto (deve ter sempre presunto e chouriço, entremeada ou outra carne com gordura ).

Preparação

Note que necessita de duas horas para levedar a massa em momentos distintos e mais 30m/40m para cozer o folar,  reserve tempo. para esta iguaria que ela depois retribui o carinho.

Comece por  dissolver o fermento na água tépida. Coloque a farinha e o sal num recipiente grande e forme uma  concavidade no meio. Adicione o  fermento dissolvido e comece a envolver.

De seguida junte o azeite e a manteiga derretida (morna) e por fim os ovos inteiros, um a um , batendo sempre até a massa se despegar do fundo. Eu prefiro tirar a massa e trabalhá-la na bancada quando começa a descolar. É uma terapia eficaz, força!

Polvilhe com farinha e cubra com um pano envolvendo bem para levedar uma hora. A massa deve triplicar de volume.

Neste intervalo prepare as carnes e prepare a forma (usei um tabuleiro rectangular) untando-o com um pouco manteiga ou azeite.

Depois de levedar, divida a massa em duas partes. No tabuleiro disponha em baixo metade da massa e distribua por cima as carnes. Cubra com a  restante massa. Vai a levedar mais uma hora,

Por fim,  pincela-se com uma gema de ovo e coloca-se no forno moderado durante 40 minutos.

Acompanhado de um chá ou café é bom, mas um vinho do Douro  faz-lhe boa companhia. Boa Páscoa!

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