Do requeijão se fez doce

Se pensarmos bem, uma parte importante da história do que comemos deriva de um  impulso de preservação, da luta contra o tempo e contra os elementos que ameaçam os próprios alimentos. O Homem, que recolhe na natureza ou que semeia e cria, reconhece a perecibilidade implicada nesse frágil processo. A secagem ao sol, a fumagem ou a salga são exemplos de técnicas de conservação ancestrais, que não deixam dúvidas sobre o engenho humano na luta pela sobrevivência, acrescentando, não raras vezes, camadas de sabor que se calhar nem previa. Ou será que previa?

O leite, um alimento essencial nos primeiros anos de vida de um mamífero (que é o que nós somos), não é valorizado da mesma forma por todos. Em algumas culturas é apenas oferecido às crianças e não é recomendado aos adultos. Noutras, como a nossa, o consumo é incentivado ao longo de toda vida, sendo parte daquela que é tida como uma dieta saudável. Há muitos pontos em debate nos dias de hoje quando se fala de lacticínios, desde as formas de produção intensivas, passando pelo bem-estar animal até às transformações sofridas pelo produto para que se mantenha em boas condições numa embalagem sem refrigeração. Não faltam motivos de conversa e divergências de opiniões. 

Leite e mel por Louise B Hafesh (2008)

Quanta diferença daquele leite que era deixado à porta pela manhã, posto numa leiteira metálica, ainda morno se acabado de mugir. Em finais de 1970, já morava nos arredores da vila, e ainda despertava com o tilintar da leiteira pendurada no puxador da porta da cozinha. Se eu gostava daquele leite? Não, não gostava nada do leite  de nata espessa que eu reclamava “saber a vaca”. E está tudo dito.

Hoje, porém, o leite está tão distante da vaca que não lhe identificamos o sabor de certeza. Todavia, como disse antes,  preservar o leite é uma preocupação dos povos desde longa data. Os antropólogos supõem que em 6000 a.C., os pastores já faziam queijo, acidentalmente,  a partir do leite de cabras, ovelhas e vacas. Inscrições  nos túmulos egípcios datadas de 2000 a.C. ilustram os conhecimentos para produzir queijo e armazená-lo em sacos de pele. Portanto, o queijo e  os outros derivados do leite, são formas industriosas de conservar o leite, por mais ou menos tempo, consoante a forma de cura. Manteiga, requeijão, queijo fresco, natas e uma imensidão de  variedades de queijos fazem as delícias dos apreciadores. Há, contudo, formas muito doces de conservar o leite, basta juntar açúcar, um velho aliado da conservação. Uma queijada, tigelada e toda a espécie de doçaria à base de leite tinha a nobre missão de lhe  prolongar o prazo de validade. Comprovem o que digo com esta receita para conservar requeijão. Não, não se trata de gulodice, mas antes de estrita necessidade e combate ao desperdício alimentar. 

Tarte de Requeijão, Doce de Abóbora e Nozes Caramelizadas *

500g de requeijão de ovelha

200g de açúcar amarelo

4 ovos

20g de manteiga derretida

50g de farinha 

10g de fermento

Raspa de 1 laranja

1 pitada de canela

Para as Nozes Caramelizadas:

100g de nozes 

100g de açúcar

25ml de água

Doce de abóbora q.b 

Numa taça, misture com varas de arame, 500g de requeijão de ovelha e 200g de açúcar. Adicione 4 ovos, um a um, mexendo entre cada adição. Junte os restantes ingredientes. Mexa bem até obter uma  mistura homogénea.

Verta o preparado na forma, forrada com papel vegetal e untada com manteiga e polvilhada com açúcar. Coloque-a num tabuleiro com um pouco de água, em banho-maria, e leve ao forno, pré-aquecido a 180ºC, durante 30 minutos. Retire do forno e do tabuleiro. Desenforme depois de frio.

Para cristalizar as nozes: Faça uma calda, levando ao lume 100g de açúcar e 25ml de água. Deixe ferver até o açúcar estar completamente derretido, cerca de 3 minuto. Envolva 100g de nozes na calda até ficarem cristalizadas (ficam esbranquiçadas). Pique as nozes quando arrefecerem, com uma faca. Sirva uma fatia de tarte num prato, acompanhe com  doce de abóbora a gosto e nozes caramelizadas.

*receita adaptada da original de  Marlene Vieira.

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