Em tournée com a Pavlova 

Prometi para 2023 uma volta ao mundo sem sair da mesa. Desta vez vamos até aos antípodas e sem escalas ou cancelamentos de voos. O doce que se encarrega de nos transportar é muito popular na atualidade e provoca sempre um sentimento contraditório nos comensais. Ao desejo de saborear aquela delícia tentadora contrapõe-se o prazer de contemplar a beleza sem fim da pequena “obra de arte”.

Para saber mais acerca da sobremesa que trago hoje à conversa, fui à presença de Anna Pavlova (1881-1931), uma verdadeira lenda do ballet clássico. Ficou conhecida pelas suas magníficas performances e pela divulgação da arte da dança pelo mundo. A biografia da bailarina é um hino à perseverança e ao amor por esta arte que, sob o manto da elegância e da graciosidade, esconde imensa dor e muito trabalho árduo. Nesta procura, para além de ler um artigo de Allegra Kent no The New York Times, uma biografia interessante sobre a bailarina, ainda procurei outra preciosidade. No site da historiadora Caroline Hamilton, especialista em traje e dança, consegui satisfazer a curiosidade sobre o guarda-roupa usado por Anna Pavlova. Verdadeiramente inspirador o elaborado tutu de penas que Pavlova usou na interpretação que a eternizou: a morte cisne na célebre criação de Tchaikovsky. Mas a sobremesa leve e colorida não nasceu de um qualquer impetuoso avanço para a cozinha feito pela própria Pavlova, quem sabe se num dia de revolta contra a sua rigorosa dieta à base de peixe e vegetais. 

Anna Pavlova in the title role, “The Dying Swan.”, c. 1914.

Há muita controvérsia quanto à origem da Pavlova. Há sobretudo uma longa disputa entre australianos e neozelandeses. As teses mais comuns remetem para um cozinheiro australiano, que depois de assistir à exibição da bailarina, decidiu materializar em merengue e chantilly, a leveza, a delicadeza da dança e dos trajes da bailarina. A outra versão, situa em Wellington a criação da receita original por altura da tournée mundial (1926).  Helen Leach, antropóloga da alimentação da Universidade de Otago, parecia ter resolvido o enigma quando em 2008 escreveu o livro “A história da Pavlova” defendendo que a primeira receita do “bolo Pavlova” havia sido publicada em 1929 na Nova Zelândia. 

Pergunto-me o que há de real e de mito construído à volta da Pavlova. A dúvida instala-se porque é possível verificar que sobremesas com merengue, natas, com frutas ou sem elas, existem há muito tempo e estão bem documentadas na literatura culinária de vários países. Será que a nossa viagem se fica mesmo pela Oceânia? Temo que não, apertem os cintos de novo. Investigações mais recentes afirmam ter encontrado mais de 150 bolos de merengue semelhantes à Pavlova, servidos com natas e fruta, muito antes de 1926. Paul Wood, (um neozelandês) e Annabelle Utrecht (australiana) tentam desde 2013 traçar as origens do doce e afirmam que a Pavlova, começou a sua vida como um bolo merengado alemão, viajou para os Estados Unidos, aperfeiçoou-se através do uso do amido de milho e mais tarde das batedeiras elétricas e disseminou-se por outras regiões do globo. Esta dupla de estudiosos da Pavlova descobriu que as embalagens americanas de amido de milho (Maizena) incluíam uma receita de merengue e chegaram a ser exportadas para a Nova Zelândia, imaginem, na década de 1890! Havia condições há muito para criar aquele efeito especial que confere a crocância à superfície para um coração de marshmallow. Na verdade a popularidade da receita deve-se a neozelandeses e australianos pois souberam como ninguém acolher este suave merengue coberto de natas e frutas na sua culinária nacional, e preservaram bem o doce legado que acaba por ser identitário dos dois países.

Cansados de viajar? Com tantas voltas ao mundo na companhia da Pavlova já devem estar a sentir os efeitos do jet lag. No regresso a casa podemos ter por certo que não há uma resposta definitiva para as origens desta festiva sobremesa. Mas será que isso vai estragar o sabor quando tivermos oportunidade de a provar? 

Pavlova

Ingredientes


Para o merengue:


4 Claras de ovo 

250 gr. Açúcar

2 colheres sobremesa amido de milho

1 colher de sobremesa vinagre de vinho branco

1 colher café extrato de baunilha (facultativo)

Cobertura


200 ml natas 

3 colheres sopa açúcar 

150 gr de uma mistura de morangos e 150g frutos silvestres

Umas gotas de limão

Preparação
Ligue forno a 140º e comece por fazer um merengue.

 Separe as claras das gemas dos ovos e bata as claras até que ganhem consistência. Adicione o açúcar aos poucos, com delicadeza, colher a colher. 

Teste o preparado passando uma pitada entre os dedos, verifique que não sente os grãos de açúcar.Junte depois extrato de baunilha (ou outro aroma que goste), amido de milho peneirado e vinagre de vinho branco. Envolva cuidadosamente.

Coloque uma folha de papel vegetal num tabuleiro de ir ao forno, disponha o merengue em forma de círculo com ajuda de uma espátula (se ajudar desenhe o círculo a lápis no papel usando como modelo a base de uma forma). Baixe a temperatura do forno para os 120ºC e leve o merengue ao forno para cozer durante uma hora. Quando terminar deixe a arrefecer no forno, não tenha pressa. O melhor mesmo é dormir um sono descansado e acordar a Pavlova na manhã seguinte para se alindar. 

Quando chegar o momento bata as natas com o açúcar e umas gotas de limão até obter chantilly. Cubra o merengue e prepare-se para dar largas à sua imaginação colorindo com uma variedade de frutos este tutu da Pavlova!


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